Agência Estado

A recuperação de Fidel Castro, anunciada no final de 2006, criou uma dor de cabeça em Havana, pois implica o reconhecimento de que ele foi vítima de um erro médico.

Fidel passou seis meses sendo tratado como doente terminal, que estaria às voltas com um câncer no intestino. A notícia deu um ritmo acelerado à sucessão cubana, uma das mais duradouras ditaduras criadas no século XX, e gerou articulações, dentro e fora do país, em função de possíveis mudanças no comando do regime. Depois que o médico espanhol José Luis Garcia Sabrido revelou que seus exames não encontraram sinais de malignidade, a equipe de especialistas cubanos caiu em desgraça, informam pessoas familiarizadas com o comando do regime.
O azar de Fidel é que, até por uma questão de lógica, um erro de diagnóstico sempre leva a um erro no tratamento. Ele passou meses sendo medicado de forma inadequada, além de enfrentar cirurgias arriscadas para um paciente com 80 anos. Celebrada pela qualidade de sua medicina pública, o tratamento de Fidel já é apontado como exemplo do atraso de Cuba na medicina de ponta. Boa parte dos medicamentos prescritos por Sabrido terão de ser importados, pois não estão disponíveis no país.
A dúvida, no momento, consiste em saber se a recuperação de Fidel será duradoura - ou se, mesmo sem um tumor maligno, poderá enfrentar uma recaída em breve. A verdade é que as certezas são poucas. Sabrido admitiu que não encontrou um tumor maligno, mas evitou detalhes sobre a doença.
Erros médicos sempre produzem seqüelas políticas quando envolvem chefes de Estado. O diagnóstico que hoje se define como errado apressou o afastamento de Fidel e a nomeação do sucessor, o irmão Raúl Castro. O próprio Fidel conduziu o processo. Mas o curioso é que o convite para a visita de Sabrido não partiu de Raúl. Foi uma iniciativa de Fidelito, filho de Fidel, diz uma fonte.
Examinadas à luz do exame de Sabrido, cenas e eventos inspiradas pelo diagnóstico anterior se revelam apressadas. Raúl tornou-se uma presença freqüente na TV estatal, como se a morte do irmão fosse ocorrer a qualquer momento. Substituiu Fidel em eventos importantes, como a última sessão da Assembléia Nacional, o parlamento cubano, em 2006. Fez intervenções e mostrou, pouco a pouco, disposição de assumir a função de líder máximo - embora a cadeira de Fidel tenha ficado vazia ao longo de todas as sessões.
A TV estatal cubana também produziu e exibiu uma espécie de videoclipe onde Raúl era exibido entre imagens históricas da Revolução, num discurso onde falava do compromisso 'do povo cubano' para defender 'a nova pátria', o legado de Fidel e 'o socialismo e a soberania nacional'.
O diagnóstico de Sabrido dá um novo ritmo a esse processo. Não se espera o retorno de Fidel às atribuições anteriores, mesmo que a saúde venha a permitir. O efeito seria enfraquecer Raúl. Neste momento, Havana considera que a chamada transição começou com o afastamento de Fidel e se encerrou com a nomeação de Raúl.